“As máquinas dominam as comunicações no mundo moderno. O ambiente lingüístico tem sido recriado artificialmente e o professor e o livro têm sido forçados a se integrarem a esses novos meios de transmissão.” Essas afirmações parecem ter sido feitas hoje, mas foram feitas por Kelly (1969) ao final da década de 60. A atualidade dessa reflexão nos leva a afirmar que o homem está irremediavelmente preso às ferramentas tecnológicas em uma relação dialética entre a adesão e a crítica ao novo. O sistema educacional sempre se viu pressionado pela tecnologia, do livro ao computador, e faz parte de sua história um movimento recorrente de rejeição, inserção e normalização. Quando surge uma nova tecnologia, a primeira atitude é a de desconfiança e de rejeição. Aos poucos, a tecnologia começa a fazer parte das atividades sociais da linguagem e a escola acaba por incorporá-la em suas práticas pedagógicas. Após a inserção, vem o estágio da normalização, definido por Chambers e Bax (2006, p.465) como um estado em que a tecnologia se integra de tal forma às práticas pedagógicas que deixa de ser vista como cura milagrosa ou como algo a ser temido.
A história do livro registra que antes do formato que conhecemos hoje, os textos eram registrados no volumen, um rolo de folhas de papiro. O ato de ler implicava desenrolar o manuscrito e, caso o leitor quisesse retornar a alguma passagem, deveria enrolar o manuscrito até localizar o trecho. Segundo Fisher (2006, p.76), “já no século I a.C., Júlio César havia dobrado uma folha de papiro em “páginas” individuais para enviá-las às tropas no campo de batalha e esse costume acabou levando à criação do códex”. O formato do códex se aproximava ao do livro de hoje. Era feito com pergaminhos, pedaços de peles de animais, geralmente de carneiro, ou com folhas de papiro unidas por uma costura. A escrita nos dois lados da página passa a ser horizontal e as páginas são viradas e não mais enroladas. O fato de poder pousar o livro sobre uma mesa traz conforto ao leitor, pois não é mais necessário ficar com as duas mãos presas ao texto. Outra vantagem do códex são as quatro margens que permitiam ao leitor “inserir glossários, anotações e comentários, de modo que aproximasse o leitor do material escrito” (FISHER, 2006, p.79).
Chartier (1994, p.102) acrescenta outros pontos positivos. Diz ele: É, enfim, inegável que o códex permita uma localização mais fácil e uma manipulação mais agradável do texto: ele torna possível a paginação, o estabelecimento do índex e de correspondências, a comparação de uma passagem com outra, ou ainda o exame do livro em sua integridade pelo leitor que o folheia. A invenção da imprensa por Gutemberg em 1442 foi a primeira grande revolução tecnológica na história da cultura humana, mas a socialização do livro não foi um processo tranqüilo. O livro sofreu os mesmos problemas que hoje são trazidos pela introdução do computador em nossa sociedade. O códex era caro e sua propriedade era privilégio de poucos.
Chartier (1994, p.102) comenta que a adoção do códex foi feita pelos leitores que não pertenciam à elite letrada que “continuava resistentemente fiel aos modelos gregos, logo ao volumen”. Chartier esclarece que esses novos leitores liam textos situados fora do cânone literário, tais como textos escolares, obras técnicas, romances, etc.
O estado e a igreja impunham ao códex a censura, cuja prática foi transferida aos livros e perpetuada ao longo dos séculos. Como lembra Chartier (1999, p. 23), “a cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem”. Exemplos célebres de repressão à leitura na história da humanidade são fornecidos pela Igreja Católica, e seu índex – a lista de livros proibidos por serem considerados heréticos – durante a inquisição no século 14; pelo regime nazista incinerando livros como descreve belamente Zusak (2007) no romance A menina que roubava livros; e pelos vários regimes totalitários ao longo dos séculos, inclusive a ditadura brasileira instaurada em 1964, que transformou a leitura de algumas obras em caso de polícia.
O livro didático também sofre censura por motivos políticos ou restrições econômicas.
Até 1993 na China, por exemplo, os alunos não tinham acesso aos livros das editoras inglesas tão comuns no Brasil. O material didático impresso era feito com papel de má qualidade e sem ilustrações. Além da questão econômica, havia também censura política que determinava, por exemplo, a necessidade de permissão governamental para utilizar uma antena parabólica e ter acesso à programação em língua estrangeira (PAIVA, 1995).
Hoje é a vez do computador, que apesar de estar dentro das escolas, sofre censura de alguns administradores que impedem o acesso a determinadas páginas, às redes sociais como o Orkut, a salas de bate-papo e mesmo a vídeos do YouTube. No ambiente familiar, se antes os jovens procuravam verbetes sobre sexo em enciclopédias (ver MANGUEL, 1997, p.25), hoje buscam fotos e vídeos às escondidas dos adultos, como se estivessem cometendo algum delito.
As tecnologias no ensino de línguas
No ensino de línguas, os primeiros livros foram às gramáticas. Segundo Kelly (1969), na época medieval, tanto o livro quanto o professor eram propriedade do aluno, mas apenas o professor tinha a posse do livro. A primeira notícia que se tem do uso do livro pelo aprendiz data de 1578, com a publicação de uma gramática do hebraico pelo Cardeal Bellarmine que possibilitava ao aluno estudar sem a ajuda do professor. O conceito de ensino de línguas equivalia ao da oferta de descrições lingüísticas. Aprender uma língua significava aprender a sintaxe dessa língua.
sábado, 17 de abril de 2010
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